domingo, 30 de novembro de 2008

Amigos - Vinícius de Moraes

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor; eis que permite que o objecto dela se divida em outros afectos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências.
A alguns deles não procuro; basta-me saber que eles existem; esta mera condição, me encoraja a seguir em frente pela vida.
Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar. Muitos deles estão lendo esta crónica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.
E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem-estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo!
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece, é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.

Vinícius de Moraes

sábado, 29 de novembro de 2008

Poema de Rui Knopfli

Não faço o que quero
faço o que posso.
E o que posso passa
pelo passo da dificuldade.

Palavras tenho poucas,
duras, despidas estacas,
complicando a minha escolha.

Ermas e perfiladas
ergo-as ao sol na vertical
e são monótonas e dão sombra.

Com elas levanto quatro nuas
paredes, um tecto em forma
de prece. Dificilmente
construo uma casa fácil

Fácil é fazer difícil,
difícil fazer o fácil.


Rui Manuel Correia Knopfli (Inhambane, 10 de Agosto de 1932 - Lisboa, 1997) foi um poeta, jornalista, crítico literário e de cinema.
Fez os seus estudos na África do Sul e iniciou uma muito activa carreira na então cidade de Lourenço Marques, actual Maputo.
Deixou Moçambique em 1975. Tinha uma alma assumidamente africana. Colaborou em vários jornais e revistas e publicou alguns livros. Desempenhou funções de adido cultural na Embaixada Portuguesa em Londres.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Democracia em Africa - Angola, por João Melo

O autoritarismo e o défice de cultura democrática não é uma questão deste ou daquele partido. Por isso, entre a classe política nacional, praticamente todos têm uma origem ideológica autoritária.

O papel definidor e estruturante da crítica na edificação da democracia é óbvio. No entanto, em Angola, é preciso reafirmá-lo sistematicamente, até “naturalizá-lo”, pois ainda estamos numa fase de transição para a democracia.
Como tenho afirmado várias vezes em público, o autoritarismo é um traço horizontal da sociedade angolana (a rigor, começa em casa). O autoritarismo angolano tem uma tripla origem: a cultura tradicional, de base rural e onde o indíviduo se deve submeter à comunidade; o colonial-fascismo português; e o modelo marxista-leninista adoptado nos primeiros 16 anos de independência. Daí resulta uma “salada autoritária” que é necessário desconstruir com realismo, inteligência e persistência.
Quer dizer, o autoritarismo e o défice de cultura democrática não é uma questão deste ou daquele partido. Por isso, entre a classe política nacional, praticamente todos têm uma origem ideológica (no mínimo, ou seja, para não falar da praxis) autoritária, quer de direita quer de esquerda. Pela parte que me cabe, não desminto nem escamoteio a minha matriz.
Assim sendo, o discurso da UNITA, por exemplo, segundo o qual a democracia angolana se deve à guerra que ela fez desde a independência é irredutivelmente contrariado pelo facto de, em 1992, não ter aceite a sua derrota nas urnas e optado por retomar o conflito armado. Essa decisão demonstrou que a UNITA não lutava pela democracia, mas simplesmente pelo poder.
A retória democrática de muitos partidos da “oposição civil”, como eram designados até 2002, também não é suficiente para ocultar o ranço autoritário que espreita por detrás da mesma. O negativismo sistemático, o vanguardismo e a arrogância política e intelectual aí estão para demonstrá-lo.
Até entre os líderes da chamada sociedade civil é possível identificar manifestações dessa falta de cultura democrática. Para dar apenas um exemplo, cito a declaração de uma activista social, perturbada com o recente resultado eleitoral, que afirmou que, agora, a sociedade civil deveria assumir o papel da oposição (sic), como se os mais de cinco milhões de angolanos que votaram no MPLA pertencessem a qualquer sociedade “extra-terrestre”.
Dito isto, a conclusão só pode ser uma: a construção de uma sociedade genuinamente democrática em Angola implica, antes de mais nada, que todos os actores políticos e sociais tenham a humildade de reconhecer a sua origem político-ideológica. Isso parece-me fundamental para que o discurso democrático, hoje tornado uma unanimidade política nacional, possa ser convertido em prática diária, a todos os níveis.
Atendo-me exclusivamente à democracia política, é impossível resistir a outra obviedade: esta última precisa, desde logo, de partidos democráticos. Como partido maioritário, o MPLA tem, nesse sentido, responsabilidades acrescidas.
Os seus estatutos, aprovados em 2005, garantem-no plenamente, não só interna, como também externamente. Com efeito, os mesmos começam por assegurar expressamente a “liberdade de discussão, tolerância e reconhecimento e aceitação do pluralismo de opiniões no seio do partido”. Além disso, admitem e reconhecem a existência de correntes de opinião, assim como o direito destas últimas à sua eventual “manifestação pública ou interna”. Por maioria de razão, o mesmo acontece com as vozes rigorosamente pessoais (mas talvez não individuais).
Há muito que eu defendo que certas opiniões não devem ser pronunciadas apenas nos chamados “canais próprios”. É certo que a crítica pública às instituições (e as sugestões também, é claro), quando feita por membros dessas mesmas instituições, tem sempre os seus condicionalismos e limites, desde logo estatutários. Assim mesmo, contudo, pode ser de grande importância e utilidade para certas mudanças e correcções de rumo. A experiência mostra que as organizações mudam mais fácil e rapidamente sob pressão externa do que interna.
Um interessante tema de pesquisa para a sociologia política poderia ser verificar que outro partido angolano, além do MPLA, admite estatutariamente a manifestação pública de opiniões diferentes e críticas. A verdade é que não tenho apreciado isso em nenhum outro. Esse compromisso com o aprofundamento da democracia, quer interna quer externa, foi – que ninguém duvide – um dos factores que contribuíu para o tamanho da recente vitória eleitoral do MPLA.

*João Melo, jornalista e escritor angolano, é diretor da Revista África21 e assina coluna no Jornal de Angola

domingo, 23 de novembro de 2008

manuale d'amore 1

Um filme que vale a pena ver. Bonito.



Aqui a tragédia e a alegria co-existem. O primeiro encontro, o primeiro beijo, o sexo, a coabitação, o casamento, o divórcio...

Gabriel, O Pensador - Racismo É Burrice (MTV ao vivo)

Uma música que vale a pena ouvir. Não é só no Brasil.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Polémica: Chocar ou Confrontar ?




A caveira 'Pelo amor de Deus' criada pelo artista inglês Damien Hirst está patente ao público Rijskmuseum de Amsterdão até ao dia 15 deDezembro.
Trata-se da peça de arte moderna mais cara do mundo. Com os seus 8.601 diamantes (num total de 1.106,18 quilates), avaliados em 18 milhões de euros, a escultura causou sensação e polémica desde a sua apresentação em Londres no ano passado.
Hirst explicou, quando apresentou a peça, que "Pelo amor de Deus" pretende ser "a vitória definitiva sobre a morte ".
Para mim uma obra de arte deste género cria um certo mal estar. Primeiro, porque se pretende ser a 'vitória definitiva sobre a morte' é 'a derrota definitiva sobre a vida', sobre os direitos humanos (Stop Trade in conflit diamonds), etc. Oiçam a música de Paul Simon 'Diamonds on the soles of her shoes'. Segundo porque impressiona o mau gosto, a falta de ética, etc. Parece que nos querem chocar, anestesiar. Sou confrontada todos os dias com os reclames desta obra de arte que estão espalhados por todas as estações de comboios aqui na Holanda.
Digam o que sentem ao ver esta craveira.

Vi um filme-documentário, FOREVER de Hedd Honigmann. Aí, a arte e a poesia vencem a morte. Aí o amor vence a morte. Passa-se no cemitério de Père-Lachaise em Paris. E faz-nos pensar no legado deixado por artistas e escritores (Chopin, Marcel Proust, Jim Morrison e Modigliani) e outros cidadãos comuns, tornarando-os imortáis.

Ainda sobre a morte, gostei de uma exposição que vi no Tate Modern em Londres, de um artista brasileiro, Cildo Meireles. Uma das peças 'Missão/Missões' trata da relação da igreja com a morte /a imortalidade.

Missão/Missões: faz alusão à morte de índios sul-americanos nas missões católicas, entre 1610 e 1767. Um tapete de 600 mil moedas de 1 centavo, 800 hóstias e 2 mil ossos de vaca que alcançam o tecto.


The Atlas of Real World




O mapa do mundo visto de outra forma. http://www.worldmapper.org/

É um endereço interessante pois cada país é medido a partir dum assunto específico. O mapa ao lado é o mapa da pobreza do mundo. São cerca de 600 mapas sobre assuntos tão diversos como o número de pessoas infectadas pelo virus da SIDA, os principais destinos turísticos, os principais países exportadores de petróleo, etc.

sábado, 15 de novembro de 2008

E se Obama fosse africano? - Mia Couto

E se Obama fosse africano? - Mia Couto

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.
Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.
Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.
Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: " E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.
E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores. Inconclusivas conclusões.
Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.
Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.
A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.
Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.
No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.
Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Consciência Individual

"A consciência individual, no nosso tempo, é anulada por uma quantidade enorme de informação empacotada, cujo objectivo é produzir uma passividade colectiva, aquiescente e inquestionada". Edward W.Said (1935-2003), escritor e ensaísta de origem palestiniana.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

The Story of Stuff - Cap 1 a 4, em Português

Vale a pena reflectir. Há mais capitulos no Youtube.