domingo, 30 de dezembro de 2012

O direito ao delírio por Eduardo Hughes Galeano - Que a vida pule e avance em 2013!

Que a vida pule e avance em 2013! Apesar da crise e do desespero de muitos, espero que não percam a esperança. Pois como escreveu António Gedeão dizia: '...porque sempre que o homem sonha, a vida pula e avança.'
Ou como dizia Milton Nascimento na música 'Coração Civil', vamos defender a nossa utopia e esperar que os nossos sonhos teimosos um dia se realizem.

Ainda que não possamos adivinhar o futuro, sim, temos ao menos o direito de imaginar como queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos; mas a imensa maioria da humanidade não tem mais do que o direito de ver, ouvir e calar.




Deixo aqui um trecho de uma entrevista feita em 23 de Maio 2011 por Jaume Barberà (programa "Singulares") a Eduardo Hughes Galeano, jornalista e escritor uruguaio sobre o direito ao delírio.

Sim, sim vou ler umas palavrinhas que têm a ver com o direito de sonhar, com o direito ao delírio, a partir de algo que me aconteceu em Cartagena de Índias há algum tempo, quando estava numa Universidade lhes dando uma palestra, junto com um grande amigo, um director de cinema argentino, Fernando Birri.

Então os jovens estudantes faziam perguntas, às vezes a mim, outras vezes a ele, e a ele calhou a pergunta mais difícil de todas. Um estudante levantou-se e perguntou:

Para que serve a utopia?

Eu olhei para ele com pena, pensei que estava encrencado e ele respondeu magnificamente, da melhor maneira. Ele disse: - A topia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei, que se eu caminho dez passos, ela se afastará dez passos. Quanto mais a procurar menos a encontrarei porque ela vai-se distanciando à medida que eu me aproximo. Pois a utopia serve para isso: para caminhar.

- Que tal se começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal se delirarmos, um pouquinho?

- Que tal se fixarmos os nossos olhos mais além da infâmia, para imaginar outro mundo possível?

“- O ar das ruas estará limpo de todo o veneno que não venha dos medos e das paixões humanas;

- Nas ruas os carros sendo esmagados pelos cães;

- As pessoas não serão dirigidas pelos carros, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas por supermercados, nem serão assistidas pela TV;

- A TV deixará de ser o membro mais importante da família e será tratada como um ferro de passar ou máquina de lavar roupa;

- Será incorporado aos códigos penais o delito de estupidez que cometem os que vivem para ter ou para ganhar em vez de viver para viver simplesmente, assim como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca;

- Em nenhum país irá prender os rapazes que se recusarem a cumprir o serviço militar, mas aqueles que quiserem podem servi-lo;

- Ninguém viverá para trabalhar, mas todos trabalharemos para viver;

- Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo e nem chamarão de qualidade de vida à quantidade de coisas;

- Os cozinheiros não acreditarão que as lagostas adoram ser fervidas vivas;

- Os historiadores não acreditarão que os países gostam de ser invadidos;

- Os políticos não acreditarão que os pobres adoram comer promessas;

- A solenidade deixará de ser uma virtude;

- E ninguém, ninguém levará a sério alguém que não seja capaz de tirar sarro de si mesmo;

- A morte e o dinheiro perderão seus poderes mágicos, e nem por falecimento e nem por fortuna um canalha se tornará um virtuoso cavalheiro;

- A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio porque a comida e a comunicação são direitos humanos;

- Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de ingestão;

- As crianças de rua não serão mais tratadas como lixo, porque não haverá mais crianças de rua;

- As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá mais crianças ricas;

- A educação não será privilégio daqueles que podem pagá-la;

- A polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la;

- A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas, serão novamente juntas de volta, bem grudadinhas, costas com costas;

- Na Argentina, as “Loucas de la Plaza de Mayo” serão um exemplo de saúde mental porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória;

- A Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento mandará festejar o corpo;

- A igreja também ditará outro mandamento que Deus havia esquecido: “amarás a natureza da qual fazes parte”;

- Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma- Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles se desesperaram de tanto esperar e se perderam de tanto procurar;

- Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os tenham vontade de beleza e vontade de justiça, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem se importarem nem um pouquinho com as fronteiras do mapa e ou do tempo

- Seremos imperfeitos porque a perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos Deuses;

- Mas neste mundo, neste mundo trapalhão e fodido, seremos capazes de viver cada dia como se fosse o primeiro e cada noite como se fosse a última.”

 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O valor das trocas interculturais



Quando no século XVII os judeus portugueses foram expulsos de Portugal vieram para a Holanda e aqui floresceram à sombra de leis benignas e tolerantes.
Aos judeus portugueses ninguém perguntou de onde vieram, nem por que vieram. Eram bem-vindos. Tiveram grande importância no desenvolvimento cultural e económico da Holanda. Desta congregação constavam rabinos, estudiosos, pensadores, artistas, banqueiros, os fundadores e gestores de grandes casas de comércio internacional.
Praticavam livremente a sua religião e em 2 de Agosto de 1675, inauguraram a Sinagoga Portuguesa em Amesterdão. Uma proteção única, de facto!
Nos anos 60 e 70 do século passado a Holanda ofereceu também abrigo a refugiados políticos e trabalhadores migrantes que em Portugal não podiam viver, os primeiros devido ao regime político vigente – a ditadura de Salazar e os segundos procuravam por razões económicas trabalho fora do país. Em 22 de Novembro de 1963 foi assinado um Tratado de Recrutamento (Wervingsverdrag) entre Portugal e a Holanda.
A Holanda era conhecida como um país tolerante, progressivo e acolhedor.
Desde que cheguei à Holanda em 1988 ouço muitas discussões sobre o direito dos estrangeiros de preservarem a própria cultura, de falarem ou não a língua mãe, e em particular sobre o uso do véu islâmico e sobre as práticas e crenças dos islamitas.
Nunca entendi a exagerada comoção em torno destes temas.
Como "produto" de diferentes culturas sei lidar com "outros". Conheço os gestos, símbolos, cores, imagens e outros símbolos de outros países, culturas e religiões. Devido à minha descendência, às questões coloniais e migratórias fui obrigada a conviver com povos de diferentes proveniências culturais. De uma forma positiva apreendi muito com isso.
Os intercâmbios culturais são para mim óbvios e fazem-se notar nos estilos musicais, na gastronomia, nas indumentárias, na forma de negociar e nas tecnologias.
Relacionei-me desde muito pequena com goeses, moçambicanos, portugueses e muçulmanos. Resumindo: sou descendente de uma família indo-portuguesa. Nasci em Moçambique e após a independência deste país em 1975, começou uma guerra civil obrigando-nos (a mim e à minha família) a emigrar para Portugal onde vivi de 1980 a 1988 e de então para cá, vivo na Holanda.
Não estou de acordo quando se afirma que os estrangeiros deviam assimilar a cultura holandesa e assinar o "contracto de assimilação". Para mim, a palavra assimilação tem uma carga negativa. Após a independência de Moçambique, percebi que a assimilação nos tempos coloniais foi usada para oprimir o povo. Os negros tinham os mesmos direitos que os brancos desde que provassem ser civilizados. Para obter o cartão de assimilação os negros tinham que provar que viviam como os europeus, que pagavam impostos, que tinham cumprido o serviço militar, que gozavam de estabilidade económica e que tinham um nível acima da média portuguesa (isto é, deviam ler e escrever corretamente o Português).
Desde 11 de Setembro de 2001, tem-se dado ênfase à assimilação em vez de integração. Enquanto nos anos 60 do século passado deixaram as pessoas viver aqui e a sociedade holandesa não se preocupou com o futuro das comunidades migrantes, hoje em dia os políticos acham que a integração deve ser rápida e compulsiva. Não me parece correcto uma vez que a integração é uma aprendizagem que requer tempo. O tempo necessário para apreender a língua e cultura varia consoante a pessoa e a cultura de origem.
Concordo que os estrangeiros devem aprender a língua e cultura holandesa o mais rapidamente possível, para bem pessoal e da sociedade onde se querem inserir. A meu ver o país fica também enriquecido com a diversidade cultural, com a comunicação intercultural, com os diálogos inter-religiosos e com os intercâmbios culturais. Por isso é importante que os políticos e os meios de comunicação social não contribuam negativamente acentuando os estereótipos e os preconceitos que dificultam a comunicação entre diferentes grupos étnicos e sociais.
Neste mundo globalizado, a riqueza de línguas e culturas tem um valor económico.
Cabe-nos extrair a riqueza da diversidade!

domingo, 18 de março de 2012

Países ricos em matérias-primas vivem na pobreza


Apesar de possuírem matérias-primas (e talvez até por causa disso) em muitos países africanos vive-se na pobreza. Várias são as razões por que isto acontece, mas para alterar esta situação temos que alterar a nossa mentalidade.

Sendo o nosso planeta habitado por 7 biliões de pessoas, e pelo facto de termos que suprir tanta gente das necessidades básicas, as matérias-primas são cada vez mais escassas. Como consequência disto o preço dos produtos aumentou muito nos últimos anos e a especulação ganhou terreno.
Os recursos naturais que utilizamos não são inesgotáveis. Temos por isso que gerir de forma inteligente e sustentável estes recursos de modo a garantir segurança alimentar e sustentabilidade do planeta. Isso só será possível, se percebermos que temos que alterar a nossa forma de viver (mentalidade e comportamento), pois, mais do que nunca, dependemos uns dos outros. Estamos perante um novo paradigma: a Europa precisa das matérias-primas dos países do Sul (África) e África precisa dos produtos industriais e da tecnologia dos países do Norte.
Ao mesmo tempo que se assiste a uma mudança nos padrões de consumo e nas esferas de influência, assiste-se a um rápido crescimento do consumo (de energia) em países que até recentemente eram vistos como países emergentes ou em desenvolvimento e um declínio da influência do Ocidente. Isso obriga a que reconsideremos a nível mundial a forma como lidamos com as matérias-primas.

As matérias-primas como fonte de conflito
É necessário rever esta situação não é apenas do ponto de vista da durabilidade mas também do ponto de vista da viabilidade, pois a escassez de matérias-primas combinada com a falta de equilíbrio de poder é, como verificamos nas últimas décadas, uma fonte de conflito. Isto, especialmente em África pois a riqueza em matérias-primas não se tem traduzido em riqueza para as populações em África, mas no enriquecimento das elites.

Tomemos como exemplo, o petróleo. O petróleo é o produto que mais impacto tem na economia mundial. O seu preço tem vindo a aumentar e muito dinheiro vai para os países exportadores de petróleo.
Diversas guerras desde o século XX têm por causa o petróleo. Os países exportadores de petróleo são potencialmente zonas de conflito.
Segundo a Agência Internacional de Energia, a Nigéria tem uma reserva de 37 mil milhões de barris de petróleo. Mesmo assim, 70% dos nigerianos vivem abaixo do limite da pobreza! Para onde vai o dinheiro? Juntemos a essa distribuição desequilibrada da riqueza os danos ambientais causados pela extracção do petróleo…

Os diamantes traficados em Angola, Serra Leone e Congo eram chamados ‘diamantes de sangue’ uma vez que estes eram usados para trocar por armamento, alimentando grupos rebeldes. Felizmente em 2002, depois do fim da guerra na Serra Leone, e sob pressões internacionais, o Conselho Mundial de Diamantes criou o Sistema de Certificação de Diamantes do Processo de Kimberley.

O coltan é um minério usado no fabrico de telemóveis, de condensadores eléctricos para computadores e de consolas de jogos. Segundo um relatório do conselho de segurança da ONU de 2001 o controlo das minas de coltan na República Democrática do Congo ajudou a financiar a guerra civil que durou uma década e terminou em 2003. Depois da publicação deste relatório, algumas das maiores companhias de telemóveis do mundo como a Nokia começaram a inspeccionar os seus fornecedores com vista a erradicar o uso de coltan congolês. Algumas companhias de produtos electrónicos recusam comprar coltan da África Central, optando em vez disso pela Austrália, Canadá e Brasil.
Ainda não há um sistema de certificação do coltan, similar ao Processo de Kimberley para os diamantes. Isto porque o processo de produção que tem o coltan misturado com outros minérios e convertido em tântalo, torna praticamente impossível a identificação da fonte no produto final.

Recentemente uma outra riqueza natural são as terras aráveis. Chama-se ‘land grabbing’ à venda destas terras a empresas multinacionais para a produção produtos com interesse económico como, por exemplo, os biocombustíveis. As populações são deslocadas das suas terras, do seu habitat natural, deixando de ter meios de subsistência. A produção de biocombustíveis passa deste modo a concorrer com a produção de culturas alimentares de subsistência (milho, mandioca, batata-doce)!

Lutando contra o desequilíbrio entre Norte e Sul
África tem de deixar de ser um supermercado de matérias-primas que enriquece os europeus e asiáticos e mantêm os africanos na pobreza. É necessário desenvolver indústria e tecnologia em África de modo a haver mais igualdade entre norte e sul.
A Ásia e a América Latina fizeram isso e hoje exportam produtos industriais.
Só desta forma se poderá reduzir a pobreza no mundo. Devo lembrar aqui que um dos Objectivos do Milénio é reduzir para metade a pobreza até 2005, coisa que dificilmente se alcançará uma vez que o fosso entre ricos e pobres têm vindo a aumentar.

A miséria não são estatísticas, é real, são vidas reais. A fragilidade económica reforça a miséria social. As guerras só produzem pobreza. Durante as várias guerras que tiveram lugar em África não se produziu, ou pior ainda, as fábricas deterioraram-se e isso tornou África ainda mais dependente dos países doadores.

Se por um lado o Sul possui matérias-primas como por exemplo o petróleo, os diamantes, o coltan, o alumínio, a platina e o crómio, o Norte possui tecnologias e conhecimentos que poderá exportar para o sul.

É inadmissível que a Nigéria importe 60% dos combustíveis que consome devido à falta de capacidade doméstica de refinação.
Uma das consequências da guerra é por exemplo o estupro no Congo, que por sua vez tem indirectamente a ver com a exploração das minas de coltan.
É inadmissível que Luanda (Angola) seja a capital mais cara do mundo. Até há bem pouco tempo Angola não produzia bens alimentares devido às minas terrestres que provocaram imensas vítimas. Como consequência, hoje em Luanda um pacote de esparguete custa 7 dólares!

O Banco Mundial que exigiu a liberalização do comércio (free market politics) em muitos países de África também tem a sua cota de responsabilidade nisto, uma vez que África não estava preparada para o choque da globalização.
É também importante que a ‘Organização Mundial do Comércio’ deixe de proteger os interesses das multinacionais criando todo o tipo de entraves e medidas restritivas que impedem a entrada de produtos africanos no mercado europeu, mas que facilitam a inundação de produtos europeus no mercado africano.

É urgente melhorar a rede de infraestruturas de modo a aumentar a produção e para que se possam escoar os produtos.
É importante reabilitar as cidades que cresceram exponencialmente devido às guerras.

Não devemos continuar a ser indiferentes à miséria e sofrimento de outros seres humanos. Apesar das causas da miséria serem complexas (pobreza, doenças, calamidades naturais, guerras, corrupção, processos históricos e de descolonização complicados) temos que conjugar esforços de modo a atingir os Objectivos do Milénio.

Por outro lado o Ocidente deverá questionar-se sobre a economia que nos últimos 30 anos foi baseada no consumismo e desperdício, como se as fontes de energia fossem inesgotáveis e não tendo em conta os danos ambientais causados. Felizmente começa-se a prestar mais atenção à sustentabilidade, reciclagem, comércio justo, a madeira FSC, etc, mas só isso não é suficiente. É necessária uma economia baseada na cooperação justa entre os países do norte e os países do sul.

Em holandês: http://wereldjournalisten.nl/artikel/2012/03/12/grondstofrijk_maakt_straatarm/

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O consumismo e o Dia dos Namorados

Expressar o amor com presentes no Dia dos Namorados ou no Dia de São Valentim é uma tradição que se criou por volta de 1841.
Quase até ao fim do século XIX a maioria das pessoas não podia dar-se ao luxo de consumir mais do que o estritamente necessário. Por outro lado, até aí, as ideologias dominantes opunham-se à ganância, riqueza material e ostentação. O Confucionismo e o Budismo na Ásia, o Islão no Oriente Médio e do Cristianismo no Ocidente davam mais valor à vida espiritual da sociedade. O consumo excessivo era mal visto, mesmo nos círculos mais altos da sociedade.
Pois, a mim, parece que é Urgente reciclar o amor com valores espirituais ao invés dos valores materiais.
Antonio Canova (1757-1822)- Amor e Psique / Museu do Louvre

É urgente o amor

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.