domingo, 16 de janeiro de 2011

O véu - burka versus igualdade do género

Esta foto foi tirada pelo fotojornalista da National Geographic Thomas J. Abercrombie em 1967 na cidade de Cabul no Afeganistão.
Entre 1956 e 1994, Thomas J. Abercrombie fez 16 reportagens sobre o mundo muçulmano, conduzindo os leitores de National Geographic pela gloriosa e intricada geografia dessa região que para a maioria dos ocidentais não passa de uma terra incógnita.

Encontrei esta foto há algum tempo atrás. Gostei dela até porque em 1967 este ainda não era um assunto que estava na moda. Resolvi fazer a minha leitura.
Considero esta foto uma metáfora à liberdade: os pássaros presos na gaiola e a mulher “presa” na burka.

Apesar da foto ter sido tirada em 1967, continua contemporânea, porque ainda hoje continuamos prisioneiros de ideologias que dominam o nosso funcionamento quotidiano, o nosso posicionamento na sociedade e a forma como nos relacionarmos uns com os outros.
As ideologias do poder assemelham-se, por vezes, à religião ainda que mantenham o carácter laico. No que diz respeito à emancipação da mulher, não se demarcam claramente umas das outras, proporcionando a igualdade de oportunidades entre os géneros. Pode-se estar “presa” na burka ou transportar uma burka invisível.

Então vejamos:
O véu foi originalmente introduzido nas antigas civilizações da Pérsia e da Mesopotâmia. Mais tarde, na cultura greco-romana, quem o usava adquiria um estatuto feminino elevado. O véu assegurava uma certa dificuldade de acesso à mulher. Habitual entre as judias, tornou-se na Idade Média uma referência das damas cristãs.
O uso da burka, do niqab ou dos xador que escondem o corpo da mulher não têm como base os textos do Alcorão. Na Arábia, no século VI, o Profeta Maomé sugeria no Alcorão que se cobrissem algumas partes do corpo para mudar os costumes dos árabes, entre os quais a nudez era natural.
Dessa forma, as mulheres muçulmanas passariam a gozar da mesma dignidade das demais seguidoras de livros sagrados. O uso do véu simbolizava a elevação espiritual da condição feminina, assim como o turbante concedia aos homens a sacralização da cabeça.
O uso da burka, do niqab ou do xador veio a cair nas mãos de uma intolerância patriarcal cada vez maior, tornando-se motivo de apologia entre os fundamentalistas religiosos islamitas que continuam a ver a mulher como um ser inferior e serviçal, que representa a tentação para os homens. Para muitas o uso do véu não é mais uma necessidade para honrar a sua religião mas sim uma imposição colocada pelos mais velhos, homens e mulheres.
Até hoje, a maioria das mulheres islamitas cobrem a cabeça com um véu ou lenço. O véu islâmico que prende as mulheres torna-as invisíveis para o mundo mas não inexistentes.
As mulheres judias fundamentalistas também cobrem o seu corpo todo, com saias longas e lenços na cabeça.
O uso do véu é um hábito que se foi perdendo no ocidente pelos cristãos. Em Portugal, a obrigatoriedade da mulher cobrir a cabeça com um véu ao entrar numa igreja foi uma realidade até meados dos anos 70.

A mulher deve ter a liberdade de poder escolher a sua forma de se vestir. Existe um a relação entre a identidade (vestir) e a religião. Muitos países da Europa querem proibir o uso da burka, do niqab ou do xador, uma vez que estas indumentárias por questões de segurança ou porque aumentam a distância entre muçulmanos e não-muçulmanos e entre mulheres e homens. Quanto aos outros tipos de véus e símbolos religiosos não há razão para os proibir indiscriminadamente. A Madre Teresa também usava um véu e isso faz parte da identidade da Congregação Missionárias da Caridade.

Com burka ou sem ela, a realidade é que as mulheres por todo o mundo continuam a ser discriminadas. Isto acontece porque as mulheres estão sub-representadas nos lugares de tomada de decisão.
Serão as imposições uma forma de discriminação e submissão em sociedades dominadas por homens?
No mundo ocidental a mulher continua a ter na sociedade uma posição difícil, inferior e discriminada. Alguns dados:
- segundo dados da Unicef de 2008 é negado o direito à educação a 65 milhões de meninas e a 56 milhões de meninos
- no geral as mulheres ganham, em média, menos que os homens pelo mesmo trabalho. Na Europa ganham menos 17,6% que os homens;
- no mundo da investigação apenas 26% dos investigadores no ensino superior público Europeu são mulheres;
- as mulheres continuam a ter maior parte da responsabilidade nas tarefas domésticas e no cuidado das crianças (80%) mesmo quando trabalham fora de casa.
- as mulheres continuam a ser confrontadas com exigências de horários que dificultam a conciliação da vida profissional com a vida familiar.
- as mulheres executam mais trabalho não remunerado que os homens.
- na Holanda o partido SGP, um partido religioso ortodoxo, não aceita que as mulheres participem activamente nos seus quadros.
Poderíamos continuar a dar exemplos.
Estas e outras realidades devem ser seriamente reflectidas e alteradas quando necessário.
Há ainda muito trabalho a fazer para se alcançar que um dos objectivos do Millenium até 2015 - igualdade no género.
Estar presa e escondida por baixo de uma burka não existe só no Afeganistão ou no mundo muçulmano, mas também no mundo ocidental mesmo quando a burka é invisível.

Mas porque se continua a permitir isso?
No Ocidente onde existem leis que possibilitam a transformação dessa realidade muda muito lentamente. O que impede que exista um equilíbrio justo nas oportunidades entre homens e mulheres? Se há mais mulheres que homens no planeta o que impede que as realidades se transformem? E será que o que mudou foi favorável para a mulher?

6 comentários:

Anônimo disse...

Interessante a falta de reacção por parte dos leitores, ou talvez maioritariamente das leitoras.
Se o tema fosse abordado do ponto de vista político, talvez tivessem algo a dizer. Mas do ponto de vista social da desigualdade entre géneros, um silêncio. Peculiar e ilucidadtivo. As razões deve-as haver muitas. Ou será que preferem passar ao lado porque não convivem com a realidade dos lenços e das burkas todos os dias na rua e acham que isso é de filmes e de fotos?

Anônimo disse...

No início do ano europeu do voluntariado e da cidadania activa anda tudo demasiado passivo. Não é da crise porque isso só estimularia a actividade escrita, participativa, reclamativa, entre outras. Mas pelos visto o frio levou à hibernação de actos e opiniões. E isso vê-se por todo o lado.Nem a insatisfação da Tunísia, da Argélia, da Irlanda e outros lugares leva a qualquer movimentação.É triste.
E não se desculpem com a crise.
Todos a sentem.Está na hora da cidadania activa.

Anônimo disse...

O/A "Anónimo/a" tem razão quando diz que a realidade das burkas está muito distante do nosso dia-a-dia. Se cruzamos com uma, isto é mais uma excepção que regra. Em África também é normal as mulheres, e até moças e crianças, usarem um lenço,não só em casa mas também na rua. Contudo, quando começam a fazer parte activa da vida escolar (primária, ecundária, universidade)e profissional deixam de o usar. A não ser que este seja usado de modo mais "artístico".
Infelizmente, a mulher ainda não aufere o mesmo que o homem quando exerce o mesmo trabalho, mas isso não quer dizer que a luta para se conseguir a igualdade já tenha
terminado; até se vão conseguindo alguns sucessos.
Burkas invisíveis sempre as houve e haverá. Uma sociedade sem diferenças é uma utopia. Mesmo em tempo de crise temos que ser realistas.
carmo

Ivone disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ivone disse...

Gostei de ler as vossas reacções. Eu também acredito que estas questões são aproveitadas politicamente. Eu gosto mais de falar os direitos humanos, respeito etc. Não sei porque é que as pessoas não reagem. Talvez leiam e concordem comigo, mas realmente o feedback é necessário para continuarmos a escrever. Duas amigas telefonaram-me a dizer que tinham gostado e comentaram o assunto. Falamos de Marrocos onde o rei de Marrocos, Mohammed VI, afirmou na tomada de posse em 1999 que ‘Os homens bons valorizam as mulheres, os maus insultam-nas’. Falamos das múltiplas interpretações do Corão e que o Corão nunca proibiu as mulheres de trabalharem.
Quanto a cobrir o corpo o Corão diz: "Ó Profeta! Diga a tuas mulheres, tuas filhas e as mulheres dos crentes que se cubram com seus mantos; é melhor para elas, para que sejam reconhecidas e não molestadas. E Allah é Perdoador, Misericordioso".
É importante que haja diálogo entre as culturas e religiões.
Carmo, é verdade o que dizes. Lembro-me de ter conversado com a embaixatriz de Moçambique na Bélgica sobre o chapéu que ela trazia. Eu disse que era bonito e ela disse: - Sabe? Para os nossos cabelos (cabelo tipo carapinha) crescerem de forma saudável temos que rapá-los de vez em quando. -
Eu gosto de ver lenços, turbantes, chapéus, cabelos soltos, etc. Nem todos somos iguais e ainda bem, senão este mundo seria uma massa uniforme sem sabor.

Anônimo disse...

O que me choca terrivelmente é que tem gente que acredita que as mulheres usem burka porque preferem assim. Hâââââââââââââm????
(danailee)